Estar ilhado e ser ilhado: a condição do poeta que oscila na dúvida de cruzar ou não o espaço da angústia.-q

Posted: segunda-feira, 5 de julho de 2010 by Crítico in
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Quando penso em literatura cabo-verdiana sou diretamente direcionado à situação existencial dos islenos. O espaço ocupado pela população (o arquipélago) é o carro-chefe para essa literatura “mareadamente nostálgica”. O mar e a ilha, bem como as angústias de um poeta preso a sua realidade são as bases que impulsionam a literatura nesse espaço africano. E esse espaço faz com que o poeta crie uma relação de amor e ódio com a ilha. E assim se faz uma literatura tão complexa em termos de relações paradigmáticas paradoxais.

O poeta-ilhéu escreve sobre o conflito de estar preso à uma condição nostálgica, e o mar se torna sua grande prisão. Porém, humildemente, não concordo inteiramente com a imagem do mar como esse grande cárcere, mas sim, a ilha como sendo o verdadeiro cárcere do poeta. Penso em instâncias: o mar se faz a prisão da ilha, e esta a prisão do poeta. Mas acredito que o mar é a única saída para o escritor, ele é a prisão da ilha e a liberdade do poeta. A ilha aprisionada ao mar, aprisiona o ilhéu. Utilizo essas imagens de aprisionamento para pensar na colonização, o mais forte coloniza o mais fraco, se o mar coloniza a ilha, a ilha coloniza o ilhéu.

Resta ao poeta escrever sobre esse espaço que tanto o inquieta, apesar de não concordar totalmente que o mar seja a prisão, entendemos que pode ser de fato para o poeta, e que o mar é o causador da angústia do ilhéu. Mas se ele aprisiona, também é a saída, e assim, noto a grande relação paradoxal que constrói essa imagem tão ambígua diante dos olhos de quem vive “ilhado”. E essa condição de transposição é o conflito do poeta “querer ficar” e “ter que partir” e vice versa, pois cruzar o mar é tentar algo novo, se aventurar, buscar uma vida melhor, em contrapartida, é o mesmo que deixar sua identidade, sua “pátria”, um pedaço de sua vida para trás. É essa impossibilidade de escolha que vai agravar a condição de existência. Reflito a questão do “estar ilhado” e me fixo ao verbo estar, é engraçado, pois o próprio verbo é uma condição estática, de permanência, relacionado a uma condição de ser. O poeta não só está ilhado, como ele também é ilhado, ele é ambíguo, ele é nostálgico, essa é a condição existencial dele, condição essa que vai agravar afetivamente a relação ilha x ilhéu. O escritor nutre uma relação, novamente paradoxal, de amor x ódio, os sentimentos se misturam, pois ao tempo que se quer sair da ilha tão parada, tão estática, acaba saindo, também, de sua identidade, de seu eu-existencial. E por toda essa fusão nostálgica situacional de ser/estar, somada à necessidade de partir/retornar, a literatura cabo-verdiana ganha impulso para tão expressiva e profunda cultura africana.

"X" da questão

- SALÚSTIO, Dina. Insularidade na Literatura Cabo-Verdiana. In: VEIGA, Manuel (Coord.). Cabo Verde: insularidade e literatura. Paris: Karthala, 1998.

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